quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Relato de uma amamentação fracassada

Eu gosto de escrever, contar minhas experiências, parece que quando escrevo, falo comigo, aí eu reflito.

E o que eu vou escrever não é fácil, vai ser a reflexão mais dolorosa que já tive na minha vida (até hoje pelo menos).

É muito comum que as mulheres compartilhem suas boas experiências e sucessos quando o assunto é maternidade e parto, porém os fracassos é raro de se achar alguma coisa.

É com o objetivo de ajudar outras mulheres que possam ter fracassado que escrevo este texto (além claro de chorar litros e refletir um pouco).

A minha amamentação foi um fracasso (ai como dói). Eu busquei na internet relatos de amamentação que não deram certo, queria achar alguém com a mesma dor que eu, porém só achei coisas lindas ou que no final tinham um final feliz, ou ao menos que tinham as frustrações não contadas. Então eu me sentia a ultima das últimas.
Aos 17 anos fiz uma cirurgia de redução de mamas. Na época o médico garantiu que não haveria problemas em amamentar então entrei na faca. De uma adolescente tímida e encurvada me tornei uma pessoa com a auto-estima nas alturas, comprei blusas de decotes, tingi o cabelo de loiro, então passei a me sentir muito mais parecidas com as meninas da capa da Capricho que eu gostava de ler. Atraia muito mais os meninos, comecei a usar lentes de contato e enxergava quem me paquerava. E eu me sentia muito feliz assim, afinal, agora meu corpo correspondia um pouco mais à expectativa do mercado, pois naquela época ainda não era moda ter peitos grandes.

Não me arrependo da cirurgia, sabe-se lá que rumo eu teria tomado se eu tivesse sido tímida pro resto da minha vida, afinal meus peitos eram realmente caídos e feios, acho que eu teria mais vergonha de mostrá-los assim para um cara do que de mostrar as cicatrizes... Mas a verdade é que se eu pudesse voltar no tempo, eu teria feito diferente (opa, será que isso é arrependimento?)

Mas chegou o momento da minha vida que a beleza comprada aos 17 anos me tirou um sonho, me deu só tristeza, agonia, sofrimento, sensação de incapacidade, me tirou o instinto, a ocitocina, o prazer.

Em um determinado período da gestação pode ser que a mulher comece a produzir leite, ou algum líquido, nem lembro mais, mas eu não produzi nada e foi neste momento que eu comecei a me questionar se eu teria problemas para amamentar, mas como isso não acontecia com toda mulher, eu não dei muita bola, ou fingi que não dei, afinal a minha gestação estava tão gostosa, acho que não queria preocupações.

Mas um dia na consulta com a parteira, após dizer que eu tinha feito uma cirurgia para redução de mamas, tive a coragem de perguntar se poderia influenciar na amamentação e então ela disse que sim, mas meu ego de mulher poderosa que ia parir lindamente de parto natural quis esconder esse possível problema.

Chegou o dia de parir. Foi tudo lindo, lindo mesmo, com dor e prazer, com coragem e com medo. Chegou a hora do nenê vir para o meu peito e eu não consigo me lembrar exatamente como foi, talvez não tenha sido como eu sonhava. Mas eu me lembro que em um determinado momento eu apertei meu mamilo e saiu alguma coisinha e eu achei que aquilo era sinal de que eu ia ter leite e pronto e fiquei feliz.
Enquanto meu marido passou os 5 dias de licença em casa comigo foi tudo lindo. O bebê mamava e eu tinha certeza que seria assim por longos meses, anos... Amamentar exclusivo em livre demanda até os 6 meses e continuar até quando ele quisesse com 2, 3, 4 anos... Afinal, parece que isso vem junto com o pacote de parto de humanizado.

Mas daí chegou o dia do marido ir trabalhar e eu toda poderosa ia ficar em casa sozinha, porque eu ia dar conta. Naquele dia deu 2 horas da tarde e nem comer eu havia comido, o bebê chorou muito, eu tentava dar mama, carinho e tudo mais e nada funcionava, até que uma amiga veio me salvar, fez comida para mim, me acalmou, acalmou o bebê e chegou o dia seguinte, primeira consulta com a pediatra e o bebê tinha perdido peso além da média recomendada.

Pela saúde dele saí com a recomendação de dar um pouquinho de fórmula no copinho. Meu marido comprou a fórmula e por dois dias eu olhei para ela, ela olhou para mim e eu a ignorei e cada vez que o bebê chorava, eu dava o peito e ele dormia, e chorava de novo, e peito... e choro... E foi confirmado na consulta com a pediatra (a qual fui cheia de esperança que ele tivesse ganho peso) que ele tinha perdido ainda mais. Doeu muito reconhecer que o meu leite não estava dando conta, mas a saúde do meu filho estava em jogo. Nem vou comentar da culpa que senti por não ter começado na fórmula antes, pois ele chorava de fome, ora bolas!

Naquele mesmo dia da consulta chamei uma consultora em amamentação que me ensinou a fazer a translactação, que é uma sondinha que se coloca junto ao mamilo e o leite vai por ali, assim o bebê não precisa ir para a mamadeira e a mãe pode continuar tendo a sensação de amamentar e também o bebê continuar sugando o leite do peito quando ele ainda existe ali, além de estimular a produção de leite e evitar que o bebê se engane com bicos artificiais e tornar difícil a pega posteriormente.

Eu tinha um pouco de leite e com a translactação eu achei que ia estimular e dali alguns dias eu poderia começar a ter mais leite. Eu anotava em um caderninho quanto ele tomava de fórmula e a minha esperança era que com o passar dos dias fosse diminuindo, pois isso indicaria que a minha produção de leite estaria aumentando, porém os números só aumentavam.

Mas eu continuava com a translactação e tudo o que mais possam imaginar para aumentar o leite. Comer alimento estimulantes, chás, óleo essencial, massagem, acupuntura e até promessa (vai vendo se eu não briguei com a Santa né, mas já nos acertamos). A cada coisinha nova que eu tentava dava uma aumentadinha, mas uma aumentadinha bem insignificante no meu caso. Agora eu imagino que para as mulheres que estão com as suas tetas inteironas o quanto tudo isso pode realmente ajudar, mas eu já não tinha tudo o que eu precisava, nem glândulas e nem ductos.

O bebê estava crescendo , ficando forte e nutrido e eu ficando cada vez mais cansada, desgastada e triste.
A translactação é um método muito interessante, porém para mim (para MIM, entendam) não deu certo.

Depois de um mês as mamadas duravam cerca de 2 horas e meia, a sondinha caia, eu derrubava o leite do potinho, o bebê chorava, até que teve uma noite que eu passei em claro com o bebê chorando e no dia seguinte estava destruída, então decidi ligar para a consultora e explicar como estava sendo a mamada com a translactação e ela disse que poderia estar entrando ar, pois o bebê pegava e soltava muitas vezes e ele poderia ter ficado com cólica.

Neste dia não resisti, chorei naquela última mamada com a sondinha, minha mãe olhou os meus olhos desconsolados e soltei um: "Eu não aguento mais" extremamente libertador e dolorido.

Liguei para a pediatra que me apoiou e indicou a mamadeira, ao menos se era para dar a bendita, que fosse a melhor, com bico melhor, etc.

Pedi para o meu marido comprar a recomendada, com bico assim e assado. Eu reclamei da mamadeira que ele tinha trazido, mas que era a certa, no fundo eu estava era brigando com a mamadeira e relutando, afinal, eu era super contra mamadeira, aquela vilã da infância. Mas seria ela o canal de alimentação sem sofrimento para o meu filho.

Sofrimento porque eu não estava tendo prazer em amamentar, estava sendo difícil para ele, porque eu deveria continuar com aquilo? Tive que engolir meu ego e orgulho e aceitar que aquela era minha realidade.

Naquela noite dormi muito bem, a mamada que durava mais de duas horas foi reduzida para 1 hora.

Mas mal sabia eu que a dor ainda continuaria. Eu dava o peito antes da mamadeira, ele ficava ali uns 15 minutos. E com o passar dos dias esse tempo foi reduzindo, reduzindo e a minha dor aumentando, aumentando. A cada mamada era uma despedida. Até que na hora da fome, ele não queria mais saber do meu peito, mas na hora do soninho ele pegava e fingi para mim mesma que aquilo me confortava.

Obviamente chegou o dia que nem na hora do soninho ele não quis mais saber, não me lembro quando foi a ultima vez que pude confortá-lo com meu peito (ou me confortar?).

Tentei a translactação novamente por duas vezes, afinal agora ele estava maiorzinho, sabia sugar melhor, mas cada vez que tentava eu me lembrava porque tinha parado, eu derrubava o leite, derrubava a sonda, e o bebê ali esperando em seu choro de fome eu ajeitar tudo. Eu ainda negava a mamadeira, eu ainda acreditava que do nada meu leite pudesse brotar dos ductos e glândulas que eu tinha deixado em um lixo cirúrgico aos 17 anos.

Tive que aceitar, e aceitei a mamadeira, a fórmula e todo aquele papo de graças à Deus existe uma alternativa. Eu sou grata, sim, eu sou grata, mas isso não ameniza a minha dor. O bebê está crescendo lindo e saudável? Sim, mas isso não ameniza a minha dor.

Eu, fêmea, que pari pela vagina, que gritei como uma loba para o bebê nascer, não fui nada disso em relação a amamentação, não fui a mãe que fornece o alimento de seu corpo para o filho, não fui a mamífera que sonhei ser.

Além de tudo isso, tive também que lidar com a vergonha. Sim, muita vergonha, enquanto o mundo luta pelo direito da mulher de amamentar em todo lugar, eu tinha vergonha de dar mamadeira em público. Eu saia tensa, rezando para ele não ficar com fome, principalmente nas consultas com a pediatra e nos grupos de pós-parto, pois todas as mães amamentavam no peito. O que elas pensariam ao me ver dando mamadeira? Que eu era "menas" mãe, claro! Aliás, esse termo me irrita profundamente.

Tentei (tento) amenizar a minha dor pensando em lados positivos: poder sair sem me preocupar com a próxima mamada, o pai pode ajudar com a amamentação, não sujar roupas com leite, etc, mas NADA disso ameniza a dor, aliás, só me traz mais culpa.

Eu agradeço todas as pessoas que me lançaram palavras de conforto e sei que foi com muito carinho, porém elas não diminuíram a minha dor, elas apenas me deram certeza que eu não sou a única mulher que não amamentou e que eu não estava sozinha.

Se eu passei por tudo isso (ainda passo), certamente não foi em vão. Infelizmente foi através dessa dor que eu aprendi a não julgar uma mãe e suas escolhas, aprendi a ceder, aprendi a dar uma baixada no orgulho e não contar com o ovo no lindo ânus da galinha.

Escrevo este texto após ter tido uma conversa com a minha homeopata que olhou a minha dor e deixou eu senti-la. A dor tá menor? Que nada, tá aqui me cutucando, mas ao mesmo tempo que dói, me sinto livre, livre porque me permito chorar e sentir.

Quero deixar claro que não tenho o objetivo de desencorajar qualquer mulher que precise recorrer à translactação (ou relactação, como é citada em algumas fontes), ou qualquer outros métodos que possam aumentar a produção de leite, eu só quis compartilhar esta experiência porque eu mesma só li relatos de sucesso, de mulheres que usaram o método por 6 meses, 1 ano, mulheres que em curto período conseguiram estimular a ponto de poder amamentar exclusivamente no peito. Mas esses relatos só me fizeram sentir pior, porque para elas deu muito certo, mas eles não me davam suporte emocional e só me fizeram questionar porque comigo não estava dando certo.


É para as mulheres que fracassaram na amamentação que eu escrevo. A palavra fracasso parece ser muito forte, mas é a antônima de sucesso. No mundo de hoje só o sucesso é aceitável e o fracasso só é aceitado quando ele leva ao sucesso, não é? No meu caso o meu fracasso não me levou a nenhum sucesso, afinal o sucesso seria se eu tivesse amamentando no peito.
É para mulheres que não choraram e que não se permitiram sentir a falta da boquinha no nenê sugando o peito, que não puderam sentir o prazer da ocitocina fluindo para produzir o leite, para mulheres que por alguma condição de saúde precisaram interromper a amamentação. É para vocês que eu digo que não estão sozinhas, que vocês devem se permitir essa dor e que é normal se sentir assim, não precisamos ser fortes.
Quem achar isso tudo um exagero, das três, uma: ou não é mãe e nunca precisou amamentar, ou é mãe e teve sucesso na amamentação, ou tem uma dorzinha escondida aí.

Faz 5 meses que meu filho nasceu, quando eu aperto o peito ainda saem algumas gotinhas que eu deixo cair na banheira do banho, às vezes dentro de uma mamadeirinha, pois eu nunca vou me esquecer das palavras da pediatra que exemplificou o caso de uma outra mãe que chamava essas gotinhas de amor, então mesclo essas gotas de amor, com o mesmo amor que dou a mama.

Escrevo para você meu filho, que passa por tudo isso junto comigo, que vê minhas lágrimas e sente minha frustração. Um dia quero poder te contar tudo isso e te abraçar muito forte, peito com peito, pois talvez não tenha leite meu peito, mas tem um coração, que bate de amor por ti.

Namaste.

8 comentários:

  1. Relato comovente e triste... Mas o importante nisso tudo é o seu amor pelo filhinho; seu esforço e dedicação. Beijos

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  2. Que relato comovente, qta coragem!! Obrigada por compartilhar conosco.
    Um gde bj
    Mariele Piovesan Ruiz

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  3. Seu texto é limpo e cortante. Comovente e lindo como só a verdade pode ser. E por isso, de inestimável valor pra todas nós outras mães humanas,frágeis e falíveis: nossos tb falíveis filhos talvez não precisarão dar conta dos inatingívies padrões e insaciáveis anseios de vitoriosas mães poderosas. Em meu nome e no deles, todo meu respeito e gratidão. Marina Salve.

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  4. Egle, que relato bonito, qto esforco seu por vc e pelo seu bb! Um beijo em vc e no seu menino que esta lindao!!! Ana Cristina da Alice

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  5. Egle, eu sei pelos nossos encontros de gestantes o quanto você e seu marido estavam curtindo esse lance todo, a gravidez, o parto e o pós-parto. Imagino o quanto isso tudo deve ter doído e ainda, dói. Parabéns pelo seu relato, pela beleza das suas palavras. E parabéns pela mãezona que você se tornou, Mikael é muito lindo!!!! Um grande beijo
    Claudia (mãe do Mateus)

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  6. Os cometários só são aceitos quando te convém?

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  7. Me conforto em suas palavras...amamentei meu filho por uma ano e dois meses...foi muito difícil no inicio: dor(muita!), seios rachados, mastite, candidíase mamária...mas NADA se compara a dor do desmame, forçado, por motivo de doençs minha (tive que desmamá-lo em uma semana para poder começar quimio😥)
    Obrigada por compartilhar sua história!

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  8. Me conforto em suas palavras...amamentei meu filho por uma ano e dois meses...foi muito difícil no inicio: dor(muita!), seios rachados, mastite, candidíase mamária...mas NADA se compara a dor do desmame, forçado, por motivo de doençs minha (tive que desmamá-lo em uma semana para poder começar quimio😥)
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